393 – Os Filhos do Medo (1979)

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The Brood

1979 / Canadá / 92 min / Direção: David Cronenberg / Roteiro: Davis Cronenberg / Produção: Claude Heroux, Pierre David e Victor Solnicki (Produtores Executivos) / Elenco: Oliver Reed, Samantha Eggar, Art Hindle, Henry Beckman, Nuala Fitzgerald, Cindy Hinds, Susan Hogan

 

Cronenberg é Cronenberg. Ponto. Seu começo de carreira foi completamente visceral, experimental, escancarando seu apreço pela carne, pelos distúrbios sociais, psicológicos, médicos e científicos. Apesar de Os Filhos do Medo ser considerada uma obra menor (e bem pessoal até certo ponto), é Cronenberg sendo o cineasta do mal que costumava ser lá pros anos 70 e 80 (hoje faz filme com o Robert Pattinson, mas enfim).

E sim, Os Filhos do Medo é um filme do mal. Apesar do roteiro pouco inspirado, do próprio canadense, que arrasta uma trama comportamental entre pai, filha, mãe louca e um psiquiatra não convencional (considerando sua versão para Kramer vs Kramer – ganhador absoluto do Oscar® daquele ano), que detalhe, foi escrito durante a turbulenta separação do diretor com sua esposa Margareth Hindson, e briga pela custódia de sua filha, quando chega aos dez minutos finais, meu amigo (ou minha amiga), sente que lá vem um soco no estômago daqueles bem dados, que só a mente doentia de Cronenberg seria capaz de vislumbrar. Mas ainda chegarei lá.

Adepto das mais bizarras e escabrosas teorias científicas e médicas, Cronenberg que já havia trabalhado (e muito bem) esse expediente nos anteriores (e ótimos) Calafrios e Enraivecida na Fúria do Sexo, diferente do apreço pelo exploitation nestes outros longas, aqui pela primeira vez tenta criar uma espécie de drama existencial muito mais perene do que um complexo predial infestado por parasitas ou uma ninfomaníaca que espalha um poderoso surto de raiva, e mais ainda, extrapola o limite carnal e explora também os meandros psicológicos e os perigos que a sugestão e somatização podem causar nos seres humanos, inclusive fisicamente.

Para tal, somos apresentados ao Dr. Hal Raglan, vivdio pelo excelente Oliver Reed com sua voz lenta e quase sussurrada. Ele é dono do instituto Somafree, criador da controversa técnica chamada “psicoplasma” e autor do livro “The Shapes of Rage”. O objetivo desta técnica é fazer com que seus pacientes manifestem sua raiva e todos seus sentimentos reprimidos em seu estado mais puro, geralmente através de jogos mentais onde interpreta papeis de outras pessoas com quem tem relações problemáticas. Como efeito colateral, surgem em suas peles manchas vermelhas e escoriações, como uma espécie de somatização da raiva. Em alguns casos mais graves, alguns pacientes desenvolvem grotescos tumores e cancros de pele.

Espreitando...
Espreitando…

Pois bem, o empreiteiro Frank Carverth (interpretado por um nada convincente e carismático Art Hindle) é pai da pequena Candice (Cindy Hinds, uma espécie de clone de Heather O’Rourke, a Carol Anne de Poltergeist – O Fenômeno) e casado com Nola (a brilhante Samantha Eggar), que por sua vez está internada no Somafree e é uma das pacientes fetiches do Dr. Raglan. Certa tarde ao voltar do local após uma visita à mãe, a garotinha apresenta alguns ferimentos e escoriações nas costas, e Frank fica convencido de que a menina foi agredida pela progenitora. Disso, irá se desenvolver o restante da história com Frank tentando desmascarar os métodos do Dr. Raglan e proteger a filha das loucuras da mãe.

Até aí parece um daqueles dramalhões do Supercine, certo? É então que o geniozinho malvado de Cronenberg coloca uma criança assassina deformada na história, assassinando primeiro a avó de Candice e mãe de Lola, Juliana (Nuala Fitzgerald) espancando-a até a morte com um martelo de bater carne e depois o avô e pai, e ex-marido de Juliana, Barton (Henry Beckman) com violentíssimos golpes com uma esfera na cabeça. Após um rápido embate com Frank, a criaturinha asquerosa misteriosamente morre, e ao ser examinada pelos médicos e pela polícia, descobre-se que a criança (fisicamente parecida com Candice, mesmo estatura e até se veste da mesma forma) tem uma aparência envelhecida, lábios leporinos, ausência de órgãos genitais e principalmente, não possui umbigo, o que significa que não foi concebida por meios naturais.

Quando aqueles monstrinhos atacam a professora de Candice matando-a cruelmente na sala de aula repleta de criancinhas assustadas como testemunhas (YEAAAAH!), e sequestram a filha dos Carveth, que Cronenberg finaliza o arco de sua história para que todos os personagens principais se encontrem em uma conclusão acachapante. ALERTA DE SPOILER. Pule para o próximo parágrafo ou leia por sua conta e risco. Nestes momentos finais do filme que descobrimos que todos aqueles “filhos do medo” são prole de Nola, que através da manifestação absoluta de sua raiva, por conta de abusos e comportamento relapso dos pais que sofreu quando criança, desenvolve um nojento útero externo, pelo qual dá vida àquela personificação de sua fúria em forma daqueles seres grotescos. Inclusive somos testemunhas oculares de um dos fetos nascendo, e Nola, tomada por um instinto maternal animal, retira-o da placenta e começa a lambê-lo em uma cena abominável em que seu estômago provavelmente vai dar um giro de 360º. Isso já vale todo o tempo arrastado que você parece ter perdido vendo o resto dos 80 minutos de filme (salvo os ataques das crianças hediondas).

Os Filhos do Medo é marcado por uma cena emblemática. Que é costumeiro no trabalho de Cronenberg colocar um determinado momento cinematográfico ímpar em nosso imaginário para sempre (vide a cena da sauna em Senhores do Crime, a cabeça explodindo em Scanners – Sua Mente Pode Destruir, a ligação carnal com uma televisão em Videodrome – A Síndrome do Vídeo ou o regurgitar de A Mosca). É uma imagem que vale mais por mil palavras, como diz o velho ditado, mas uma imagem que realmente vale a pena de ser vista, e até porque o próprio Cronnenberg coloca-o como um de seus filmes mais clássicos, junto com o já citado A Mosca e Gêmeos – Mórbida Semelhança.

Agarra agarra
Agarra agarra

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8 comentários Adicione o seu

  1. svox74 disse:

    Assisti esse filme no início dos anos 90, quando o aluguei numa locadora de bairro. O resultado na época (eu tinha uns 20 anos) foi terrível. Passei dias impressionado de tanto medo. Agora, graças à vocês, reencontro esse filme pra baixar e rever se o impacto será o mesmo. Valeu !!!

    1. Servimos bem para servir sempre!!!! Depois conte aqui se o impacto foi o mesmo!

      Abs

      Marcos

  2. Renato Leão disse:

    Assisti esse filme ano passado graças aqui ao 101 horror movies, e da fase de 1967 começando com o curta-metragem From the drain até 1979 com Os Filhos do Medo, (com exceção do Enraivecida na Fúria do Sexo esse eu ainda não assisti) posso dizer na minha modesta opnião que dessa fase Os Filhos do Medo é o melhor do Cronenberg, é sensacional,fodão,sangue nos olhos,facada nas tripas…e por aí vai a lista de elogios.Muito obrigado por disponibilizar essa maravilha cronenberguiana.

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